LUSOFONIAS
Era um mundo novo / Um sonho de poetas / Ir até ao
fim / Cantar novas vitórias /E erguer, orgulhosos, bandeiras / Viver
aventuras guerreiras / Foram mil epopeias / Vidas tão cheias /Foram
oceanos de amor / Já fui ao Brasil / Praia e Bissau / Angola, Moçambique
/ Goa e Macau / Ai, fui até Timor/ Já fui um conquistador / Era todo um
povo / Guiado pelos céus /Espalhou-se pelo mundo /Seguindo os seus
heróis / E levaram a luz da tortura/ Semearam laços de ternura Foram
dias e dias e meses e anos no mar / Percorrendo uma estrada de estrelas
a conquistar
Da Vinci, na Eurovisão, 1989
"A África é algo mais do que uma terra a ser explorada; a África é
para nós uma justificação moral e uma razão de ser como potência. Sem
ela seríamos uma pequena nação; com ela somos um grande Estado.".
Marcelo Caetano, 1935
"No meio das convulsões presentes, nós apresentamo-nos como uma
comunidade de povos, cimentada por séculos de vida pacífica e
compreensão cristã, irmandade de povos que, sejam quais forem as suas
diferenciações, se auxiliam, se cultivam e se elevam, orgulhosos do
mesmo nome e qualidade de portugueses."
Salazar, 1933
“É uma
ponte que se constrói, uma ponte que une as margens distintas das
identidades culturais de cada um dos países de língua oficial
portuguesa, uma ponte que pretendemos inscrever no nosso imaginário
colectivo, num encontro cultural único, que amplie o nosso olhar sobre
os outros e sobre nós próprios, fortalecendo indelevelmente os laços que
nos unem e a nossa forma de estar no mundo.”
Jorge Couto, ex-presidente do Instituto Camões, a propósito de uma
publicação durante a Expo 98.
A lusofonia poderá ser o conjunto de identidades culturais existentes em
países, regiões, estados ou cidades em que as populações falam
predominantemente língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Macau,
Timor-Leste e diversas pessoas e comunidades em todo o mundo. Haverá
entre estes países lusófonos relações privilegiadas - na cooperação
política e económica (situação prodigiosa de unir as duas margens do
Atlântico), na educação e nas artes – grandes criadores que manejam a
língua de forma criativa, inventam outras pátrias de Camões,
contribuindo com a sua obra para ampliar a interculturalidade lusófona:
Pepetela, José Craveirinha, Saramago, Jorge Amado, Luandino Vieira e
tantos outros.
Essa delimitação imaginária será geográfica, de poder, de identidade, de
descrição comum, mas é, antes de mais, um projecto, uma construção
artificial, como são todas as fronteiras, nações e conjuntos de nações3.
Neste espaço, que se convencionou chamar de ‘lusófono’, partilha-se a
mesma língua nas suas várias recriações. É certo e fantástico: viaja-se
numa floresta tropical, no rio do Amazonas, nas montanhas de Díli, numa
estrada da Huíla e podemos conversar em português, vamos a um café em
Bissau ou uma esplanada em Cabo Verde e gozamos o momento de ler o
jornal na nossa língua (ainda que nem sempre em português nos
entendemos, pois para muitos a língua oficial é uma língua estrangeira
que cumpre apenas funções administrativas).
Que identidades culturais partilham estes países para além da
especificidade da língua (que já é muito) e do destino de emigração ser
a antiga metrópole? Porque têm de ser tomados em conjunto, como um
pacote de países, estas diferentes culturas a quem aconteceu terem sido
esquartejadas em países colonizados pelo mesmo poder central? E de que
se trata quando se pretende fortalecer a “nossa forma de estar no
mundo”? Que olhar é esse nosso olhar? Quem é este nós? À partida um
‘nós’ é feito de coisas muito diversas e, se referido ao português,
devia ser o oposto de um motivo de orgulho.
A lusofonia depende da “narração de uma certa história da colonização
portuguesa, que justifica um certo presente” (como referiu António
Tomás, explicando como era necessário contar histórias alternativas, por
exemplo a de Amílcar Cabral4), pois se o presente se faz da reaplicação
de narrativas fundadoras, quase todas aleatórias e/ou construídas, e de
interpretações da história, se as histórias forem outras o presente
implicitamente o será. Mas até agora o que existe são estes discursos
ancestrais que passaram, com uma nova maquiagem, a ser ‘senso-comum’. A
lusofonia, apesar de actualizar o passado colonial e protelar o
imaginário imperial, não é incomodativa porque se revestiu de um
discurso arejado, menos chato do que a celebração dos descobrimentos,
ainda que dela se alimente.5 E a retórica da interculturalidade - como a
Expo 98, o Ano Europeu do Diálogo Intercultural em 2008 e outras
efemérides - dá-nos a sensação de estarmos num espaço que se pretende
politicamente correcto e preocupado com as questões fundamentais aliás
de como viver com o Outro. Porém, tal discurso contém os seus perigos
quando “manifesta um desejo utópico de retratar a história e as relações
entre diferentes comunidades ao nível global, como sendo uma relação sem
poder, sem conflito.” (Vale de Almeida, 1998: 237) Ou seja, tende a
elidir o processo marcado pelo conflito e pelas relações de poder,
retrabalha o passado de forma celebratória e não problematizante.
Precisamos pois de perceber melhor o que está por detrás de todos estes
discursos - produzidos de acordo com as políticas e ideologias mais
viáveis - no sentido de “evitar a recepção acrítica de tendências
particulares, evitando assim que estas sejam apressadamente
generalizadas ou universalizadas” (Sanches, 2007: 10), e no interesse de
pensar mais pelas dúvidas do que pelas certezas vinculadas na narrativa
da História.
Refiro-me à lusofonia (discurso oficial e práticas) no enfoque da
relação Portugal / países africanos de língua portuguesa. O caso do
Brasil (na sua dimensão continental) ou terras asiáticas são fenómenos
diferentes embora enquadrados na mesma lógica.
A designação de PALOP, uma vez mais, é também um abstracto conjunto
resultante da cartografia imperial. Sabemos bem como estes países
visados contêm no seu seio inúmeras particularidades, já internamente
vítimas da hegemonia contra as suas outras nações dentro do conceito de
Estado-Nação. E note-se que, neles, a língua portuguesa foi uma
ferramenta que “devia servir para produzir novas nações (e não apenas
novos países) criando identidades unificadas contra etnicidades
precedentes. A língua portuguesa não era uma língua nacional mas uma
língua de unidade nacional. “laços”
lusófonos
Do outro lado da moeda, alguns comportamento de alguns portugueses que
vivem em países africanos são, também eles, similares aos dos de outros
tempos: vivem igualmente a sua cultura de gueto, no eixo
casa-jipe-empresa, vão a praias vigiadas, frequentam meios
privilegiados, tratam por “locais” os africanos e perpetuam na sua cor
de pele as conotações económicas. Alguns portugueses vivem por ‘lá’ mas
em constante desconfiança, cheios de preconceitos sobre o ‘cenário’ à
volta, numa pose neo-colonial mas mais tímida e discreta, sem lhes ser
permitido fazer certas afirmações no espaço que já não é o “seu”, mas do
qual ainda se julgam donos, reivindicando (compreensivelmente) uma
herança familiar e histórica que ainda pesa nas suas apreciações e
fruição do vasto espaço africano. Às vezes, também pesa na consciência,
e então tornam-se condescendentes com tudo, culpando o colonialismo e as
relações do passado de todos os males actuais, à la Kadafi. Outras
vezes, com um riso cínico da incapacidade dos africanos se
auto-organizarem. Porém, em nada África lhes é indiferente: o fascínio
da pureza, do sangue, a disfuncionalidade, a doença, a infantilidade, o
desgoverno e o caos são coisas que atraem e fazem proliferar ong’s com
legiões de jovens ocidentais numa pretensão ‘altruísta’ nas mesmas bases
da missão evangelizadora do tempo colonial.
Entre as várias atitudes nas formações discursivas em relação a África,
como assinalou Ana Mafalda Leite (2003: 23), contam-se a paternal (com
resquícios coloniais, encarando o outro com distância e tolerância), a
deslumbrada, a adesão incondicional (quase acrítica), e a solidária, que
faz a ponte com o passado (somos todos inocentes, partilhámos a história
passada), de alguma forma ligada à lusófona, no que tem de “versão
democrática de como o encontro dos portugueses com os outros povos foi
diferente dos outros, e de como esses povos têm saudades do nosso
convívio” (Ana Barradas, 1998: 232).
Mais uma vez, essa visão de excepção subjacente ao colonialismo
português está presente nas retóricas bem intencionadas do encontro ou
partilha de culturas, tendo de ser questionada na sua veracidade e na
sua origem para que o “cinismo de Estado” não disfarce as realidades
quotidiana promoção de lusofonia. Apesar do
discurso aparentemente empenhado da lusofonia, na realidade não existe
verdadeiramente uma consciência lusófona, não há lóbi lusófono na ONU ou
na OMC (pelo menos se compararmos com a francofonia), nem tem assim
tanta coesão, nem no plano económico nem político. Nem em termos de
identidade: quase nenhum africano ou brasileiro se afirma enquanto
‘lusófono’ (só ouço portugueses falarem disso).
O que une os “lusófonos” afinal hoje em dia, que ‘potencial’ é este para
o qual devemos encontrar uma estratégia de consolidação? Será então a
partilha de cultura: conhecimento das histórias e literaturas uns dos
outros, gostos culinários, musicais, o futebol?
Se assim for, a dúvida persiste no que toca à estratégia dos promotores
da lusofonia, uma vez que o desinteresse é a tónica dominante nas várias
áreas de expressão. Como questionava Kalaf numa crónica do Público:
“Será que nos interessamos realmente pela lusofonia? Ou este é um
conceito que serve tão-só a maquinação mediática? O Brasil,
aparentemente, pouco se importa com a actualização deste
luso-qualquer-coisa e Angola está a seguir o mesmo caminho.”
Este desinteresse provirá talvez do facto das práticas também remontarem
ao passado. Os agentes de promoção da lusofonia ainda funcionam como
centro cultural na ‘metrópole’ que subsidia os vários representantes no
terreno sem qualquer noção das realidades desses países, sem estratégia
conjunta de programação, etc. O espaço lusófono acaba por ser a tal
“bolha onde tudo é possível e tudo se consome”, retomando a ideia de
Lívia Apa, “um mundo criado pelo ‘laço’ da língua portuguesa, dentro do
qual os escritores transitam, se movem, trocam visitas, falam, escrevem,
são lidos, mas fora do qual eles próprios não conseguem encontrar o seu
lugar, como se fossem até incapazes de ter acesso ao que acontece fora
da lusofonia.
Por exemplo, os escritores africanos leem pouco os outros africanos não
lusófonos.
O fechamento para outros espaços como reflexão cria essa bolha de
protecção nas rédeas de um circuito fechado e alienante. O facto da
produção literária passar pelo mercado português para ser legitimada (o
cânone produzido de forma exógena), e nessa obrigação ter como porta de
acesso o ‘exótico’, a única permitida pois o mercado sabe bem fazer
rentabilizar a ‘diferença’, por vezes condiciona a própria forma de
escrever (como se se escrevesse para português ler), praticando uma
tradução cultural de si-mesmos. Os escritores africanos pouco lidos nos
seus países de origem são-no mais na Europa, onde há mais leitores, e
também aqui pode pôr-se a hipótese, como avançou Inocência Mata, de uma
reedição da política do assimilacionismo cultural e de continuidade do
império na cultura. (Mata, 2007: 288)
A língua portuguesa era o suporte do Império e hoje é o suporte da
lusofonia no que concede de possibilidade de universalismo. Para
reforçar esta partilha há que promove-la, o que não tem mal nenhum se
não se partisse do princípio de que cabe aos portugueses o controlo da
língua portuguesa. Desta forma, escreve Alfredo Margarido (2007), “a
língua deixaria de ser um instrumento capaz de ser utilizado por
qualquer grupo ou mesmo indivíduo, pois seria não só a criação mas
sobretudo propriedade dos portugueses. Se partirmos do princípio que a
língua pertence àqueles que a falam, regista-se uma profunda autonomia
dos locutores de português. Se esperamos que a língua continue a
expandir-se, devemos em contrapartida refrear o instinto de dominação
que continua a marcar a sociedade portuguesa.” Veremos agora em relação
ao novo acordo ortográfico o que vai mudar neste capítulo, bem presente
nas vozes mais conservadoras deste debate.
É como se a língua, o património dos falantes de português, fosse o
último território que ficou por descolonizar, como sugeriu o escritor
timorense Luís Cardoso no colóquio acima referido.
Mas só que quem está a dar cartas desta vez, num processo autofágico de
pegar na norma e subvertê-la, ao contrário do colonialismo linguístico
pretendido, são outros: “reinventamos o português, os tugas a aprenderem
connosco, somos colonos desta vez” rapa o angolano Kheita Mayanda no
tema “É dreda ser angolano”. E é equacionando estas variantes todas do
português, com muitos mais falantes e criatividade, sem sobreposição da
norma do suposto ‘centro’ da língua, que a língua portuguesa se
enriquece.
A música poderia ser a excepção, onde o discurso do “espaço lusófono”
faria algum sentido uma vez que, desde o séc. XV, tem sido um elemento
de fortes trocas culturais percebendo-se a saudável contaminação dos
ritmos e conhecimento das origens da música nos vários países de língua
portuguesa. Exemplos: o fado que é da família do lundum e da morna; a
curiosidade dos cantautores de intervenção portugueses pelas sonoridades
da música africana e brasileira; a partir dos anos 90, a alavanca de
projectos como Rap Mania ou Kussondolola (que fez a ponte com África na
cultura jovem) e, hoje em dia, inúmeras bandas de fusão. A música que
circula na cultura urbana recupera o semba, mornas, e apresenta imensos
pontos de contacto entre as várias culturas.
Apesar da lusofonia musical ser uma realidade constatada, mais uma vez o
próprio projecto lusófono se desintegra na prática. As produtoras
portuguesas andam a dormir. No filme Lusofonia, Sons da (R)evolução os
músicos e agentes musicais lamentam a falta de investimento nacional e
terem de recorrer a editoras não portuguesas (sobretudo francesas e
holandesas, no caso das cantoras Lura, Cesária Évora, Sara Tavares,
Mariza) com melhores condições, da gravação à promoção passando pelos
prémios. As editoras portuguesas estão desatentas à fonte inesgotável de
boa música da noite afro-lisboeta, não acreditam e não cuidam do seu
‘património linguístico’ - a música em língua portuguesa ou crioulo em
muitos casos - como mercado de confluência de culturas. Por complexos,
falta de visão? De vez em quando descobrem incríveis fenómenos como o
kuduro progressivo, caso dos Buraka Som Sistema. Mas mesmo assim, o
kuduro, sobretudo o original e dos guetos, é subaproveitado no seu
potencial: “se fosse de Berlim, Nova Iorque ou Londres o kuduro era uma
música do mundo” diz, no mesmo filme, o crítico Vítor Belanciano.
Nas artes plásticas parece que a maioria das abordagens vão de encontro
a um espírito que cristalizou uma ideia de arte africana, tradicional e
ao gosto dos africanistas. Ou para satisfazer um mercado ávido de naif e
novos primitivismos, bastante condescendente e que sobrevaloriza os
contextos dos artistas em relação à sua arte. De vez em quando há
iniciativas que reflectem uma visão contemporânea e introduzem uma série
de questões ligadas às teorias pós-coloniais, mas colocam sempre o
enfoque na tal devolução da imagem de um centro: os vestígios dos
portugueses em África, ou como os africanos vêem os portugueses cá, ou
os descendentes de colonizados descobrem as suas origens, etc. Outros
eventos passam à margem da aglomeração lusófona (e do próprio meio
artístico português).
Estes exemplos de má promoção da lusofonia acabam por convergir na ideia
de que não se tem investido a sério neste espaço, cuja sustentação não é
desinteressada. Os laços criados entre as culturas destes países existem
naturalmente nas histórias de vida, a maioria delas empurradas pela
realidade anterior de criação de colónias, que leva agora a que se
emigre para o sítio de onde esses que as povoaram partiram (e outros, no
fluxo contrário, partem à procura do el dourado do investimento em
África), ou por questões de guerra, economias desmembradas, desemprego,
estudo, desamor, ou mil razões que fazem as pessoas circular para
realidades nem sempre acolhedoras, mas que proporcionam a recriação da
sua identidade.
A herança da história trágico-marítima foi transformada em discursos
sobre ‘pontes’ e laços culturais, depois de uma vez se terem criado
pontes aéreas para fugir da insustentabilidade de uma situação
ideológica que eram as colónias. E toda essa partilha que se pretende
efectiva actualmente, é também ela ideologicamente questionável, com
interesses e práticas que insistem nos mesmos termos e dados do jogo.
É preciso auto-reflexividade para estancar a
reprodução dos mitos do antigamente.
Questionar as bases deste modelo e defesa da lusofonia poderá ser um
princípio para uma mudança de paradigma: interessa lidar com
subjectividades e particularidades, contextualizando de onde vêm estas
relações, e não com abstractos conjuntos de países que, além da língua e
de episódios históricos, não se revêem necessariamente nesse bonito
retrato de família que Portugal quer passar e do qual faz uso sempre que
lhe convém.
Publicado na revista Jogos Sem Fronteiras, edições Antipáticas
A CPLP na agenda e no discurso
brasileiros
Na última semana de setembro de 2008 foi firmado pelo Brasil o acordo
ortográfico, que uniformiza o uso da linguagem entre os países de língua
portuguesa. Quase ao mesmo tempo, poucos dias depois, a maior companhia
brasileira, a Petrobrás, perdeu a concorrência para a Marathon Oil na
exploração de petróleo em Angola. Em meados de outubro, em viagem a
Moçambique, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-se de que um
projeto para construção de uma fábrica de remédios contra Aids/Sida,
prometida desde 2003, ainda não estava em execução.
No primeiro caso, tratava-se de um projeto de antiga origem que
encontrou dificuldades dos dois lados do oceano Atlântico, embora já
tivesse sido acordado desde dezembro de 1990. Certamente, como diz o
embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa, "este
acordo pode ser considerado estratégico, já que uma escrita comum vai
permitir que o português seja uma língua internacionalmente
reconhecida"13. No segundo, a derrota deveu-se, provavelmente, à maior
eficiência das políticas implementadas pelo governo chinês em continente
africano, embora com presença naquela parte do mundo há poucos anos,
muito menos, portanto, do que a presença brasileira, não apenas nos
países de língua portuguesa, mas também em outros Estados, como Nigéria,
Senegal, etc. Já no terceiro caso, a culpa pelo fracasso da iniciativa
era da própria inoperância das instâncias brasileiras que, cinco anos
depois do que foi prometido, não tinha os recursos liberados pelo
Congresso para a construção de fábrica de remédios. (NOSSA, 2008: B4)
Esses três fatos são, provavelmente, as variáveis mais importantes de
relacionamento entre todos os parceiros que fazem parte da CPLP. Um se
refere aos aspectos culturais envolvidos, outro diz respeito aos fortes
interesses econômicos em jogo, e por último as dificuldades existentes
para implementar acordos, ainda que prometidos tempos atrás.
Considerar uma vertente importante, como a identificação cultural e
lingüística que vem desde muitas gerações, não significa que isto se
traduza em vantagens econômicas e financeiras, embora estejam presentes
grandes empresas brasileiras, do porte da Petrobrás, ou de setores de
construção civil para a abertura de estradas, feitura de barragens, etc.
O governo brasileiro, com certeza, sempre teve consciência de problemas
dessa natureza, inclusive com seus vizinhos mais próximos do próprio
continente. Evidentemente, como costuma acontecer, podem ter ocorrido
erros de cálculos e interpretações, más avaliações tanto conjunturais,
quanto em termos das intenções reais de seus parceiros.
Contudo, deve-se ponderar, porém, que nem sempre o relacionamento foi
pautado apenas visando lucros imediatos. Pode-se dizer que, em termos
gerais, as relações externas brasileiras, da mesma forma como se
comporta a maior parte dos países do mundo, contemplam as duas facetas:
uma em que se espera o retorno, se não imediato, pelo menos depois de um
certo tempo, das atitudes tomadas no intercâmbio bilateral ou no
envolvimento global nas instâncias regionais e de escopo mundial; a
outra, em que pouco ou nada se pode esperar dos parceiros e das
instituições, mas que nem por isso devem ser negligenciadas, sobretudo
quando outras variáveis estiverem presentes, como o histórico dos países
envolvidos, os vínculos culturais, os laços afetivos, etc.
Nesse sentido, a importância concedida pelo Brasil a organismos como a
CPLP tem sua razão de ser. Por isso, mereceu atenção especial desde a
década passada, quando se constituiu a própria entidade. Na realidade, a
proximidade brasileira com todos os países de língua portuguesa com
freqüência recebeu atenção, ainda que nem sempre estivesse na linha de
frente da pauta do Itamaraty. No entanto, pode-se afirmar que a
importância concedida pelo Brasil à CPLP é proporcional a que a mesma
desfruta no cenário internacional. Não é apenas em relação a CPLP como
instituição, mas com todos os países que a compõem, a não ser em
momentos específicos.
Nas últimas décadas, pode-se lembrar o vínculo mais estreito, por
exemplo, do Brasil com Portugal no governo de Juscelino Kubitschek de
Oliveira e, em outras ocasiões, com Jânio da Silva Quadros ou Humberto
de Alencar Castelo Branco, quando se aventou a possibilidade de formação
de uma comunidade luso-afro-brasileira. No governo de Ernesto Geisel, o
reconhecimento de Angola e Moçambique em 1975 foi sinal de aproximação
com esses países, sob a ótica do pragmatismo responsável. Outros
momentos parecidos aconteceram com José Sarney e Itamar Franco antes de
ser firmada a carta de criação da CPLP sob o mandato de Fernando
Henrique Cardoso.
Não se deve, porém, presumir que a atenção concedida a esses países se
assemelha ao papel exercido por outros como Argentina, Estados Unidos,
Japão, Reino Unido, Alemanha ou França além de nações emergentes como a
China, Rússia, Índia e África do Sul. Além da retórica de países irmãos
unidos pela história, os indicadores entre Brasil e CPLP estão aquém do
que se poderia considerar relações privilegiadas. Dados apresentados em
trabalho recente, indicam claramente as preferências brasileiras para
três grandes países: África do Sul, Angola e Nigéria. É o que se poderia
chamar igualmente de parcerias seletivas no continente africano.
(RIBEIRO, 2007: 172-195).
Não se pode afirmar, contudo, que a CPLP não tem importância para a
política externa brasileira. Desde sua criação, a CPLP pode ser
entendida como um grupo que pode, em momentos variados, dar substancial
apoio às pretensões brasileiras em nível mais geral. Mas não se pode,
também, negligenciar o papel que o país procura exercer junto a essa
comunidade, como aquele que tem maior projeção e capacidade
internacionais.
Ou seja, a presença do Brasil na CPLP pode ser vista sob duas
perspectivas: de um lado, no uso da mesma para projetar os interesses
brasileiros no exterior, ou seja, uma instrumentalização feita pela
política externa brasileira, visando maximizar o uso de todos os
recursos possíveis existentes, inclusive para ocupar espaços maiores do
que outros países junto às nações que fazem parte da comunidade; por
outro lado, pode-se, igualmente inferir que, apesar do "pragmatismo" de
sua política externa, o Brasil também pensa em termos de atuação
conjunta da CPLP para atender interesses globais que não seriam
possíveis de se obter individualmente.
Quando se formou a entidade, o governo brasileiro manifestava claramente
a simpatia pela iniciativa, e pela necessidade de se configurar um
espaço maior para aqueles que tinham muitas identificações, e que não
poderia, certamente, ser melhor sucedida se o Brasil dela não fizesse
parte, já que é o maior deles, com relativo peso na arena
internacional.14
Os esforços do ex-ministro da Cultura e ex-embaixador brasileiro em
Portugal José Aparecido de Oliveira são amplamente reconhecidos como
fator fundamental para que a empreitada fosse coroada de êxito pelo
menos para sua criação. Em depoimento prestado anos depois, o embaixador
assim se referiu à entidade:
Pudemos reunir em São Luís do Maranhão os Presidentes dos países
lusófonos, criando o Instituto Internacional da Língua Portuguesa,
primeiro passo da CPLP e do aprofundamento das relações futuras. Quando
o Presidente Itamar Franco chegou ao governo, conhecia as iniciativas
anteriores e lhe fiz o relato da situação. Convidou-me, então, para
representar o Brasil em Lisboa e encetar conversação em busca de uma
aliança diplomática formal entre nós e os países de expressão
portuguesa. Como era comum na diplomacia do passado, fui enviado a
Lisboa com uma missão multilateral, e o fiz, como sempre agimos os
mineiros: com lealdade, transparência e respeito absoluto aos nossos
parceiros. Cumpri, com espírito de missão, o meu dever. Ao deixar
Lisboa, no fim do honrado mandato do Presidente Itamar Franco, estavam
firmes os pilares da CPLP.(OLIVEIRA, 2002:26)
Mas, mostrava, igualmente, nessa mesma oportunidade, ressentimentos
sobre a forma como o Itamaraty se comportava em relação aos países de
língua portuguesa, especificamente no caso dos graves problemas
enfrentados por Timor.
Estamos dando, nestes dias, uma prova concreta dos nossos ideais, com a
nossa presença em Timor Leste. Devo recordar a firmeza do Presidente
Itamar Franco, ao chegar a Lisboa, como embaixador, na defesa da
independência daquele povo irmão. Suas palavras, asseguradas pela
autonomia moral na representação dos interesses permanentes e das razões
morais de nosso país, não foram recebidas com o devido respeito por
setores petulantes da burocracia do Itamaraty. Não fosse essa sua
intervenção corajosa e transparente e não teríamos, como tivemos, um
brasileiro com o mandato das Nações Unidas para conduzir os atos da
transição em Timor. (OLIVEIRA, 2002: 27)
Esse depoimento comprova, sem deixar margens a dúvidas, o envolvimento
do embaixador Oliveira na criação da CPLP, mas deve ser visto sob uma
ajustada lente. Em primeiro lugar como ressalta, a lealdade entre
mineiros. Tanto ele como o presidente Itamar Franco são do estado de
Minas Gerais e antigos militantes do mesmo partido, daí os vínculos
estreitos existentes entre ambos, um dos motivos pelos quais foi
convidado a ocupar a Embaixada em Lisboa e ter sido ministro da Cultura.
Em segundo lugar, o fato também de o próprio presidente Itamar Franco
ser nomeado depois para a mesma Embaixada, assim que deixou o Palácio do
Planalto. Como ambos eram externos ao corpo diplomático, e no caso de
outros parecidos, o Itamaraty nunca viu com bons olhos a nomeação de
políticos, portanto, pessoas fora da instituição, para representar e
falar em nome do país, ainda que em uma representação diplomática de
menor porte, que não faz parte do circuito Elizabeth Arden, mas situada
em território europeu e sempre alvo de demandas por parte dos
embaixadores.
Pode-se entender, portanto, a pouca receptividade concedida pelo
Itamaraty à atuação sobretudo do ex-presidente Itamar Franco, inclusive
pelas suas peculiaridades e falta de vocação para desempenhar tal cargo.
Por outro lado, pode, também, indicar que países menores, com pouca
expressão, apesar das denúncias sobre direitos humanos, que colocavam o
Timor na agenda diária internacional, não valiam, segundo a concepção do
Ministério das Relações Exteriores, investimentos maiores, já que os
retornos seriam extremamente reduzidos ou muito modestos, não só
naqueles dias, mas ao longo do tempo. Claro que na retórica do discurso
diplomático, sempre mereceram importância, e foram objetos de convênios
culturais, científicos, educacionais, mas restringindo-se a poucas
áreas, e com recursos limitados.
Independentemente de quais foram os inspiradores para a concretização da
CPLP, como já discutimos anteriormente, além do mais isso pouco importa,
o momento em que a entidade foi criada já trazia em seu cerne, as
primeiras dificuldades. Embora tenha sido formalizada no governo de
Fernando Henrique Cardoso em 17 de julho de 1996, depois de um longo
processo de maturação que vinha já desde 1989, com a reunião em São Luís
do Maranhão, a realidade é que as opções de inserção brasileira
privilegiavam claramente outros vetores, que não os dos países
secundários do sistema mundial. Isto era de todos conhecido, ainda que
em termos de discurso expresso, por exemplo, pelo então chanceler Luiz
Felipe Lampreia, a CPLP fosse considerada de extrema importância.
Na recepção oferecida pelo seu colega Jaime Gama, Ministro dos Negócios
Estrangeiros, em 4 de dezembro de 1996, em Lisboa, o chanceler
brasileiro afirmava que:
"A CPLP haverá de ser um instrumento de cooperação, entendendo a
concertação entre os países africanos de língua oficial portuguesa, o
Brasil e Portugal, sem qualquer veleidade de hegemonia, mas com um
espírito construtivo e a determinação de ocupar um espaço condizente com
o peso específico da própria comunidade". (LAMPREIA, 1999: 134)
Pouco depois, no primeiro aniversário da entidade, repetia falta
parecida, em 17 de julho de 1997, quando da abertura da Conferência
Ministerial da CPLP em Salvador - Bahia.
"Ao realizar esta reunião aqui em Salvador, quisemos significar, sem
ambigüidade, o quanto estamos empenhados em fazer da CPLP, de forma
gradual, mas efetiva, uma realidade diplomática, uma força a favor de
todos nós, que nos ajude a melhor projetar e defender, na base do
consenso, os nossos interesses internacionais comuns". (LAMPREIA, 1999:
160)
Aqui pode-se adicionar um pequeno comentário. Se algo existe na arena
mundial, é justamente a falta de coincidência de interesses comuns entre
os países de língua portuguesa, além, certamente, dos esforços para
viabilizar o idioma como oficial no âmbito da Organização das Nações
Unidas. No mais, cada um sempre agiu à sua própria maneira e às custas
de seus próprios esforços, ou dentro das organizações às quais pertencem
no plano mais próximo, principalmente geográfico.
Por isso, possivelmente, pode-se entender os poucos esforços realizados
tanto por Brasil, quanto por Portugal, os dois maiores da comunidade, e
que foram assim entendidos por Mario Soares, anos depois. Aliás, é comum
tanto nos discursos oficiais, quanto na própria produção acadêmica sobre
a CPLP, a menção ao fato de os países membros pertencerem
simultaneamente a várias outras organizações, o que tornaria possível
ampliar a projeção dos interesses dessa comunidade, e que não
necessariamente corresponde à verdade dos fatos.
Na abertura dos trabalhos da ONU, em setembro de 1996, o ex-chanceler
chamava atenção para a existência (e os limites) da CPLP.
"Pela primeira vez, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe comparecem à Assembléia Geral
das Nações Unidas organizados na Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, voltada para a cooperação e a coordenação política. Em
consulta e de forma concertada, os países membros da Comunidade esperam
atuar com maior intensidade nas Nações Unidas, para melhor promover os
seus interesses comuns e projetar a identidade lingüística, cultural e
histórica que os une". (LAMPREIA, 1996: 611)
E mais não disse. Enquanto o espaço dedicado à CPLP ocupou oito linhas
de seu discurso, em uma mera formalidade, o MERCOSUL, em contrapartida,
preencheu o dobro, exatamente 16 linhas de sua fala.
No outro ano, em 1997, a única menção foi sobre o caso de Angola, quando
disse que "O Brasil, no exercício da presidência da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, exorta a comunidade internacional e
particularmente os países que integram o Conselho de Segurança a exercer
uma vigilância atenta e severa sobre o processo de paz em Angola".(LAMPRÉIA,
1997: 630)
Enquanto ocupou o cargo de chanceler, Luiz Felipe Lampreia pronunciou-se
mais três vezes, abrindo as sessões de trabalho das Nações Unidas. Em
1998 e 1999 referiu-se ainda aos casos de Angola e Timor, e,
lateralmente, à CPLP. Já em sua última participação mencionou os dois
casos, mas de formas diferentes: em Timor, para dizer que ali se
desenhava um novo Estado, sob a liderança de Sérgio Vieira de Mello;
sobre Angola, para denunciar a persistência do conflito, no que
considerava uma "resistência inaceitável da Unita em obedecer às
decisões e aos direitos internacionais". (LAMPREIA, 2000: 674-675) Neste
último ano, a CPLP já havia desaparecido de seu discurso.
Nas duas últimas sessões da Assembléia Geral da ONU, sob o mandato de
Fernando Henrique Cardoso, a CPLP perdeu definitivamente seu espaço,
quando o próprio presidente lá compareceu e pronunciou o discurso de
abertura em 2001, fazendo brevíssima menção ao Timor Leste, enquanto em
2002, o novo chanceler Celso Lafer apenas lembrou Angola brevemente.
Nas obras publicadas fazendo um balanço de suas gestões frente à
Chancelaria, tanto Luiz Felipe Lampréia quanto Celso Lafer, além das
menções feitas anteriormente, quando reproduzem os discursos, deixaram
completamente de lado a existência e a importância da CPLP. (LAMPREIA,
1999; LAFER, 2002)
O presidente Fernando Henrique Cardoso, que ocupara a Chancelaria no
governo de Itamar Franco no começo da década de 90, tinha uma percepção
bastante precisa do contexto internacional. Assim, em pelo menos duas
ocasiões dizia o que entendia pelo mundo em construção, o novo mundo
globalizado, interdependente, mas também muito competitivo. Na primeira,
em conferência pronunciada em Nova Delhi, em janeiro de 1996, portanto,
no mesmo ano de criação da CPLP, enfatizava que o novo contexto "tem
levado a uma acirrada competição entre países - em particular aqueles em
desenvolvimento - por investimentos externos". (CARDOSO, 1997: 7) Um mês
depois repetiu os mesmos argumentos, em nova palestra, desta vez na
cidade do México, em 20 de fevereiro. (CARDOSO, 1997: 20)
Certamente para o presidente Cardoso, os países em desenvolvimento
capazes de oporem-se aos grandes eram os do porte da Índia, África do
Sul, China. É o que seria chamado depois de parcerias seletivas, nas
quais, automaticamente, estariam excluídos países com pouca expressão ou
nenhuma capacidade de agregar competências para transformar o mundo, ou
de atender as necessidades da política externa brasileira em termos de
projeção de poder.
Sob esse prisma, as nações de língua portuguesa obviamente não se
enquadravam dentro das prioridades brasileiras, e que pudessem auxiliar
na inserção mais favorável do país no mundo. Nada de estranho que assim
tivesse se comportado a política externa brasileira. Em uma conjuntura
completamente distinta daquela que marcara o mundo durante quase quatro
gerações, o governo entendeu que se devia fazer opções para enfrentar
tal quadro.
Nesse novo mundo que emergia, e onde se percebia que poderia haver
espaços para países como o Brasil e outros, vistos como potências
emergentes, partiu-se do claro entendimento de que, nesse contexto
multilateral e competitivo, apenas poucos seriam chamados a jogar papel
de maior relevo. Por isso, ao Brasil pouco representava vínculos mais
estreitos - com fortes investimentos - cujos resultados não pudessem
auxiliar em sua trajetória ascendente. Comportamento semelhante já era
observado no governo de Fernando Collor de Mello, nos inícios da década
de 90, quando claras opções foram feitas privilegiando as grandes nações
industrializadas, mormente no que tange ao governo da Casa Branca.
Se, com Itamar Franco, os países de língua portuguesa ocuparam espaço
maior, não era, contudo, tendência a ser seguida nos últimos anos na
virada do século. Por isso, os grandes países, as nações emergentes e o
Mercosul - em função de suas particularidades e proximidade geográfica -
receberam prioridade cada vez maior. Certamente isto tudo não se
converteu nos resultados esperados, pelo menos com a ênfase que se
poderia desejar. Mas, por outro lado, isto pode ser creditado a pelo
menos dois fatores. O primeiro é que quando se opta por determinada
linha de atuação internacional, o governo vê a formulação e
implementação da política externa por seu lado, esperando que tudo
corresponda às suas expectativas, embora saiba que não controla nem a
vontade dos parceiros, nem a conjuntura internacional. Em segundo lugar,
as bruscas mudanças, tanto internas quanto do cenário mundial,
dificultam que suas expectativas sejam coroadas de êxito. Como são
variáveis incontroláveis, a formulação da política externa pode ter boa
margem de acerto se o cenário for durante certo tempo estável, não
sofrendo, portanto, grandes oscilações.
Têm sido muitos os que discordam dos rumos da política externa nos
últimos anos.15 Deve-se ponderar, entretanto, que decisões têm de ser
tomadas em prazo relativamente curto, de acordo com a avaliação que o
grupo que está no poder faz de seu projeto, do que pode esperar de seus
parceiros e das conjunturas doméstica e internacional. Assim, quando a
política externa está sendo pensada e executada, os erros de cálculo
certamente vêm à tona e inibem os resultados esperados pelos
formuladores nacionais.
Sob esse ponto de vista, também tem sido numerosos os equívocos tomados
pelos responsáveis por essa área no país. Adicione-se a isso, as
próprias divergências entre os decisores da política externa nas mais
distintas esferas ou de proximidade com a Presidência da República.
Essas diferenças de opinião têm sido observadas ao longo do tempo,
quando uma instância próxima ao Presidente assume uma postura, depois
reformulada pela chancelaria, por exemplo, que busca explicar melhor o
que se deve entender pelo tema ou como o país defenderá suas posições
nas arenas internacionais. Não tem sido poucas as vezes em que o próprio
presidente Lula tem emitido opiniões com pouco ou nenhum respaldo sobre
temas internacionais e realidades que desconhece. Outras vezes, o
próprio Ministério das Relações Exteriores não tem correspondido às
expectativas quanto às suas escolhas e formas de agir. Tudo isto,
entretanto, depende, também, de qual seja o projeto que o grupo no poder
vislumbra para si e para o país.
Destarte, as opções feitas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso
são, em certa medida, bastante distintas das tomadas por seu sucessor,
sobretudo no que diz respeito à importância do papel desempenhado pelos
países de menor projeção em termos de poder global.
Da mesma forma em que as opções feitas por Fernando Henrique Cardoso
passaram a ser intensamente criticadas após o mesmo deixar o poder, e
mesmo no cargo, acusado de "entreguismo" e adesão indiscriminada ao
modelo neoliberal, seu sucessor igualmente sofreu várias críticas. Entre
essas, podem ser citados desde o perdão da dívida aos países
latino-americanos e africanos, ao reconhecimento da China como economia
de mercado não recebendo contrapartida que fizesse jus à sua
generosidade. Outros fracassos podem ser mencionados, quando o país
sofreu derrotas em oportunidades diversas, por exemplo, quando concorreu
aos cargos de direção geral da Organização Mundial do Comércio (OMC),
lançando o nome do embaixador Luis Felipe Seixas Correia e para a
presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com João
Sayad, para ficarmos nos dois mais expressivos.
As visitas de Lula ao continente africano mostram em princípio que, além
das boas relações com as grandes potências e com os países emergentes,
foi possível dar atenção, não deixando de lado aqueles que pouco
poderiam oferecer ao país, pelo menos em termos imediatos. A criação de
35 novas representações diplomáticas no governo Lula, sendo 15 em
território africano, deixa bem claro a importância concedida aos PEDs
(MARIN, D.C., 2009). Mesmo no Cone Sul, o Palácio do Planalto tem
mantido o que no jargão diplomático se convencionou chamar de "paciência
estratégica", fundamentalmente com a Casa Rosada.
A atenção concedida aos países africanos e da CPLP pode ser vista em
algumas oportunidades nos últimos anos. Por ocasião do V Encontro da
entidade, realizado em São Tomé e Príncipe, no final de julho de 2004,
quando reuniu os representantes de cada nação, o governo brasileiro
chegou mesmo a financiar o evento doando 500 mil dólares, além de
infraestrutura de comunicação e material de informática, que depois
ficariam lá. Na VII Cimeira realizada em julho de 2008, em Lisboa, para
divulgar a língua portuguesa, deu-se ênfase na dinamização do Instituto
Internacional de Língua Portuguesa, com o governo brasileiro prometendo
empenho e realçando a importância desse fato. Outros elementos podem,
ainda, ser arrolados, como a iniciativa brasileira de propor acordos do
MERCOSUL - tendo já obtido aval de seus parceiros - com a CPLP,
excluindo Portugal, para favorecer intercâmbios econômicos e facilitar a
importação de produtos dos membros da entidade.
Nesse quadro, a atenção concedida pelo Brasil à CPLP no governo de Lula
atendeu de maneira satisfatória a histórica conduta da política
externa brasileira que privilegia a cooperação em detrimento do
conflito.
No atual desgoverno Bolsonaro, a incompetência e o
pouco caso tem vindo a liquidificar todo o esforço de Lula na consolidação
de alianças e de interesses comuns.
A Lusofonia se iniciou como um projeto de Salazar que
ao saber estar perdendo o domínio físico de suas colônias, iniciou um
processo de domínio pelas afinidades da língua.
Bolsonaro me lembra um Salazar piorado. Violento como
Salazar mas analfabeto como só ele.
Saiba mais sobre as línguas e culturas dos
páises do bloco lusófono.
www.lusofonias.net.br
Este site é uma produção independente de
responsabilidade de seu idealizador.
Editor Responsável:
Filipe de Sousa
interncionallusofona2005@ todos os direitos reservados
Atualizado em 010-8-22 |