Macau
Macau (em
chinês mandarim, Àomén; em cantonês, Oumun) ou oficialmente, a Região
Administrativa Especial de Macau - R.A.E.M., é uma região especial da
China existente desde dezembro de 1999. Seu território compreende a
península de Macau e as ilhas de Taipa e Coloane, num total de 29,5 km².
Território português durante quase 450 anos, Macau é hoje uma das duas
R.A.E.M. da República Popular da China, junto a Hong Kong. Possui cerca
de 550 mil habitantes e tem duas línguas oficiais, o português e o
chinês (mandarim como oficial, e o cantonês, mais falado nas ruas). Além
disso, desenvolveu-se no território o patuá macaense, língua local de
influência portuguesa e cantonesa, que apesar de hoje em dia sofrer
ameaça de extinção, vem sendo resgatado, principalmente entre a
população mestiça luso-chinesa.
Macau, a
pérola cultural da Grande Baía
Texto José Luís de Sales Marques
Quando a UNESCO decidiu designar o Centro Histórico de Macau como
Património da Humanidade em 2005, fê-lo, entre outros critérios, pelo
facto de ser um importante ponto de intercâmbio multi-secular de valores
humanos na dimensão da cultura, da tecnologia, da arte e arquitectura, e
pela importância que teve na introdução de ideias e tecnologias do
Ocidente na China. Essas singulares características de Macau permanecem
actuais no século XXI, o que determinou que no contexto do plano da Área
da Grande Baía (AGB), tenha à RAEM sido destinado o papel de ponto focal
na região para a convivência entre culturas e diálogo multicultural,
tendo a cultura chinesa como base, e de plataforma para as relações
entre a China e os países de língua portuguesa.
Características gerais
A Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), da República Popular
da China, situa-se no extremo ocidental do Delta do Rio das Pérolas. Faz
fronteira com o distrito de Gongbei e com a, do município de Zhuhai, e
está distante 60 quilómetros de Hong Kong. O mar do Sul da China, que a
bordeja, abre esta pequena cidade ao horizonte infinito de mares e
oceanos, por onde se espalha uma comunidade de diáspora, com origem
local, de chineses e macaenses.
Com a construção da Ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai, o tempo de viagem de
Hong Kong a Macau, por autocarro, ficou reduzido a cerca de 40 minutos.
A viagem por barco até ao distrito Central, o coração financeiro e de
negócios da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK) dura 60
minutos e a viagem de Macau a Shenzhen, por barco rápido cruzando o
Delta do Rio das Pérolas, demora cerca de uma hora e 20 minutos. Macau é
também servida pelo seu próprio aeroporto internacional, com voos
directos para outras cidades chinesas e para diversos destinos na Ásia.
A ligação de Macau às redes ferroviária e rodoviária do Interior do País
faz-se através de Zhuhai. O comboio que liga a estação de Gongbei até
Punyu, em Cantão, em menos de uma hora, é o meio mais rápido para se
chegar à capital da província de Guangdong. Macau está também ligado à
nova área de Hengqing, município de Zhuhai, através da Ponte Flor de
Lótus. O posto de controle fronteiriço e aduaneiro entre a RAEM e aquela
nova área será unificada e ficará localizado em Hengqing, por onde
passará a linha de metro de Zhuhai, facilitando o movimento entre os
dois vizinhos. Assim, será de esperar que no futuro próximo a interacção
entre Macau e Hengqing, onde se localizam o campus da Universidade de
Macau e vários empreendimentos com participação do Governo e entidades
privadas da região, venha a ser significativamente intensificada.
A área do território da RAEM era, no final de 2018, de 32,9 quilómetros
quadrados, constituído pela península de Macau, a ilha da Taipa e
Coloane. As ilhas da Taipa e Coloane estão ligadas por um aterro,
conhecido por COTAI, onde se situam os maiores estabelecimentos
hoteleiros da região. A RAEM possui, ainda, uma área de jurisdição
marítima de 85 quilómetros quadrados.
A população de Macau era de 676.100 habitantes, no final de Setembro de
2019 , com uma predominância da população feminina. A densidade
populacional de Macau é considerada como sendo das mais elevadas do
mundo. Em termos médios, essa densidade atinge mais de 20 mil habitantes
por quilómetro quadrado. Todavia, esse número mais que duplica na
península de Macau. A elevada qualidade de vida reflecte-se na esperança
média de vida que é de 83,7 anos. Existe ainda uma população flutuante
constituída pelos 35 milhões de visitantes que acorreram à região em
2018.
Uma das características importantes da população de Macau é a
diversidade das suas origens e o espaço que é dado à expressão das suas
diversas culturas. Macau é uma terra de comunidades diversas, com as
respectivas expressões culturais respeitadas e apoiadas pelo próprio
Governo. Entre a população chinesa, que é largamente maioritária e com
origem na província de Guangdong, encontra-se também uma significativa
presença da comunidade com origem em Fujian, com a correspondente
expressão cultural, nomeadamente na adesão e promoção da cultura Mage –
dedicada à deusa A-Má, protectora dos marítimos – mas também comunidades
com origem no Sudeste Asiático, a comunidade lusófona de diversas
origens, e a própria comunidade macaense, os chamados “filhos da terra
de origem portuguesa”.
A recente designação de Macau como Cidade Criativa da gastronomia pela
UNESCO é o reconhecimento implícito da sua rica diversidade cultural,
porquanto a gastronomia é expressão da cultura e da vida das populações.
Esboço de uma
identidade urbana
Existem vestígios arqueológicos que testemunham a existência de
actividade humana em Macau desde o Neolítico, há aproximadamente 5000
anos. Esses vestígios, descobertos na ilha de Coloane, constituídos por
objectos de jade e cerâmica pintada, atestam a existência de uma
presença com características culturais elaboradas, associada a um certo
comércio marítimo que se desenvolvia através do Delta do Rio Zhujiang
(Pérola) com outros povoamentos neolíticos descobertos em Hong Kong e
Shenzhen.
Todavia, a identidade urbana de Macau constitui-se a partir da chegada
dos portugueses e num processo complexo de adaptação do edificado às
características morfológicas do solo constituído por colinas e vales, ao
clima inclemente de monções com frequentes tufões demolidores, e às
diversas limitações estabelecidas pelas autoridades chinesas sobre o
governo local, constituído pelo Leal Senado.
Existiam três aldeias na península de Macau antes da chegada dos
portugueses – as de Mong-Há, Patane e Barra, onde prevaleciam uma
população piscatória originária de Fujian – e dois templos, um à beira
do porto (o Templo Mage, ou de A-Má), e outro no sopé do monte Wangxia (Mong-Há),
o templo Kun Iam – zona agrícola onde arroz e vegetais eram cultivados.
A península de Macau encontrava-se na dependência do distrito de
Xiangshan (Montanha Perfumada), que a partir de 1925 passou a ser
designada por Zhongshan, em homenagem ao seu filho mais ilustre, Sun
Yat-sen, também conhecido por Sun Zhongshan, o fundador do República da
China.
O primeiro comerciante português a chegar à costa meridional da China
foi Jorge Álvares, que em 1513 aportou a uma ilha próxima de Hong Kong.
Porém, só várias décadas depois é que os portugueses se estabeleceram em
Macau. Foi em 1554 que o vice-director de Assuntos Marítimos de
Guangdong, Wang Bo, e o capitão-mor Leonel de Sousa, chegaram a um
acordo tácito, conhecido como o assentamento, que transformou este local
de descanso e refúgio das intempéries que assolam sazonalmente o Mar do
Sul da China, para um estabelecimento permanente e porto marítimo
inserido nas redes de comércio mundial, na época da primeira
globalização. Na China Ming (1388-1644) reinava o imperador Jiajing
(1521-1567).
O núcleo urbano da nova cidade cresceu em poucos anos. Descreve o censor
Pang Shangpeng que sete anos após a sua fundação, em 1564, já existiam
mais de mil casas edificadas no povoado, cuja área não excedia 3,4
quilómetros quadrados. O crescimento foi espontâneo, seguindo a direcção
de Patane à Barra, e da Praia Pequena (Porto Interior) à Praia Grande.
As edificações, que inicialmente eram barracas provisórias, começaram
por surgir nas imediações da Ribeira do Patane, na parte nordeste da
península. Na proximidade desta mesma área foi construída a primeira
igreja em 1562, dedicada a Santo António, e lançado um sistema viário
primitivo, que se estendia a partir desta até ao centro da cidade e se
prolongava pela Rua Direita (também conhecida como Central), passando
pela Igreja de São Lourenço, pelo Lilau (ou Nilau) até a vizinhança do
Templo de A-Má. Esse eixo viário, na direção Norte-Sul, foi
complementado por outro na direcção Leste-Oeste, servindo zonas
comerciais e residenciais.
As autoridades chinesas mandaram construir, em 1573, as Portas do Limite
ou do Cerco, como ficou conhecido, a fim de cercear qualquer incursão de
portugueses ou de outros estrangeiros no território de Xiangshan, bem
como controlar a entrada de Chineses no enclave de Macau. Toda a área
entre este limite e as muralhas da cidade, numa extensão de cerca de
três quilómetros quadrados, passou a ser conhecido como o “campo”, sob
jurisdição chinesa, zona onde se localizava a povoação de Wangxia (Mong-Há).
O urbanismo espontâneo e mercantil dos primeiros anos passou a ter uma
forte representação religiosa, à medida que se iam implantando as
diversas ordens religiosas autorizadas pelo Padroado do Oriente, sob os
auspícios da Coroa Portuguesa. Em 1557, o Papa Paulo IV incluiu Macau
sob a jurisdição do Bispado de Malaca, que estava subordinado à Coroa
Portuguesa. Os primeiros jesuítas chegaram a Macau em 1555, erguendo a
igreja de Santo António e uma pequena casa, em cujo local foi
construída, mais tarde, o Colégio de São Paulo, o primeiro instituto
universitário do Extremo Oriente. Junto a este, viria a ser edificada,
já no século XVII, a Igreja de Mater Dei, cuja fachada monumental, que
sobreviveu a um incêndio que deflagrou em 1836 e destruiu por inteiro
todo o edifício, é o ex-libris de Macau.
Em 1569, D. Melchior Carneiro fundou a Santa Casa da Misericórdia, o
Hospital São Raphael e a Leprosaria de São Lázaro. A Igreja de São
Lázaro, construída em 1569, anexa ao leprosário, ficava nos limites da
área urbana, onde foram construídas as muralhas da cidade. Era na igreja
de São Lourenço, localizada defronte à Praia Grande, a zona residencial
da rica burguesia mercantil, que mercadores e marinheiros iam rezar as
suas preces, antes de embarcarem nas suas tão lucrativas e perigosas
viagens.
Outras igrejas surgiram dentro do curto período de duas a três décadas,
entre elas a de São Francisco (1580), de Santo Agostinho (1586) e de São
Domingos (1587). Esses edifícios religiosos, construídos no alto de
algumas das Colinas de Macau, pontuaram com suas torres a paisagem e
projectaram a primeira silhueta conhecida de Macau. Foi em 1601-02 que
começou a construção do edifício mais famoso de Macau, a Igreja de Mater
Dei, que foi inaugurada no Natal de 1603. Todavia, a famosa fachada e a
monumental escadaria só ficariam concluídos entre 1622 e 1640.
O primórdio da história de Macau é fortemente marcado pela criação de
uma outra instituição: o Leal Senado da Câmara de Macau. Foi fundado em
1583 pelo bispo D. Leonardo de Sá, como forma de governo próprio,
perante a crescente complexidade dos assuntos do burgo. O Senado era
eleito entre um grupo de “homens bons”, com predominância de
comerciantes e seus familiares, configurando assim uma das
características da “autonomia” de Macau. O Senado tinha autoridade sobre
todos os assuntos do governo, incluindo as relações externas. Somente a
responsabilidade militar foi reservada ao capitão-geral. Em 1596, o
vice-rei da Índia confirmou que Macau foi designada “A Cidade do Nome de
Deus na China”, com os mesmos privilégios que as cidades portuguesas de
Cochin, na Índia, e Évora, em Portugal. O edifício-sede do Instituto dos
Assuntos Municipais, à Praça do Senado, era onde ficava os Paços do
Concelho, a sede do Leal Senado.
As fortalezas constituem outro marco impressionante da cidade, com justa
proeminência para a fortaleza da Senhora do Monte, a antiga cidadela.
Macau esteve durante as primeiras décadas da sua existência desprovida
de fortificações, pelo menos de carácter permanente, porque as
autoridades chinesas não autorizavam a sua construção. Porém, com as
primeiras ameaças holandesas a surgir à vista da sua costa, foram
erguidos os primeiros muros defensivos em 1602. As várias tentativas de
invasão das forças holandesas – copiosamente derrotados em 1622 por
forças locais – acabaram por vincar a necessidade de fortificações
permanentes. Foi criado um sistema de defesa centrado na cidadela, a
Fortaleza do Monte, concluído em 1626. Esse sistema foi reforçado pela
fortificação de São Tiago da Barra e pela Fortaleza da Guia. No famoso
mapa das cidades e fortalezas autorado por Pedro Resende e publicado em
1635, vêem-se erguidas muralhas de “chunambo”, na seção norte da
península e ao longo da linha costeira, representando, no conjunto, um
eficaz sistema de defesa.
Pouco sobra das muralhas da cidade, com a excepção de alguns panos da
mesma localizados junto ao Templo Na-Tcha, às Ruínas de São Paulo, na
Colina da Penha e nas redondezas do Colégio Santa Rosa de Lima, uma vez
que foram demolidos ou destruídos pelo tempo. O mesmo acontece com
edifícios civis dos primeiros séculos, casas apalaçadas ou simples
moradias plebeias, também essas submetidas ao rigoroso escrutínio do
tempo e das forças da natureza.
A infinita riqueza urbana de Macau só é completamente entendida se for
reconhecida a importância da “cidade chinesa”. Este núcleo urbano
complementar irradiava do Bazar (Largo do Mercado) até ao Patane de um
lado, e até à Praia do Manduco do outro, ocupando uma larga faixa que
começava mais ao menos na Rua dos Mercadores e se alargava pelo Porto
Interior até ao rio, nas palavras do saudoso escritor e advogado
Henrique de Senna Fernandes. Tinha uma existência simbiótica com a
chamada “cidade cristã”, e começou a crescer a partir da segunda metade
do século XVIII, com o afluxo de trabalhadores chineses em demanda por
uma população mercantil exigente e sofisticada, constituída por
estrangeiros de várias origens, que passaram a residir em Macau com suas
famílias a partir do estabelecimento do chamado Sistema de Comércio de
Cantão (1700-1842). Segundo as regras desse sistema, a presença de
mulheres estrangeiras no enclave em Cantão era absolutamente proibida e
os comerciantes obrigados a deixar o seu posto no fim da estação
comercial.
A chamada cidade chinesa é rica em diversas manifestações culturais e
religiosas, nomeadamente com a presença de vários templos e centenas de
santuários dedicados ao Deus da Terra (Tou Tei), que ainda se podem
observar em toda a zona descrita por Henrique de Senna Fernandes.
Existe o núcleo de casas tradicionais chinesas no Pátio da Eterna
Felicidade, muito próximas das Ruínas de São Paulo, que ilustram como a
cidade cristã e a cidade chinesa viviam coladas uma à outra, embora
direccionadas em sentidos opostos, mas complementares.
De porto de
comércio marítimo a uma economia de subsistência
Macau foi durante a maior parte dos seus 500 anos de história uma
economia marítima. Como porto marítimo, teve a sua idade de ouro entre
1557, data do seu estabelecimento, até o fim do comércio com o Japão, em
1639. Quando as autoridades Qing abriram o porto de Cantão para
estrangeiros, em 1685, permitindo-lhes negociar durante a feira anual de
Cantão, a posição monopolista de Macau ficou fragilizada.
O imperador Qianglong (1711-1799), ao introduzir novas regras de conduta
no Sistema de Comércio de Cantão, induziu alterações substantivas no
modo de viver em Macau, criou oportunidades de negócio a seus residentes
e problemas à sua governação, sempre receosa da quebra dos equilíbrios
instáveis estabelecidos na cidade. A população cresceu
significativamente entre 1745 e 1772, duplicando para 26 mil habitantes,
com o número de portugueses mantendo-se estável entre cinco mil e seis
mil habitantes (Conim e Teixeira, DSEC, 1998).
Entretanto, com a Primeira Guerra do Ópio, foi fundada Hong Kong e o
Tratado de Nanjing, assinado em 1842, abriu cinco portos chineses ao
comércio internacional (Cantão, Amoy, Foochow, Ningpo e Xangai). A
Grã-Bretanha assumiu o controle do “rochedo” que era Hong Kong, em 1841,
e iniciou uma política para atrair o que restava da rede comercial de
Macau. Movido pela necessidade de responder à concorrência e obviar o
declínio irreversível de Macau, a rainha D. Maria II declarou Macau um
porto livre para o “comércio de todas as nações”. Para implementar essa
nova política, nomeou, em 1846, o governador José Ferreira do Amaral,
que empreendeu profundas mudanças em Macau. A economia de Macau
encontrava-se então em pleno declínio, passando a viver uma fase de
subsistência.
Do Tratado de
Amizade à instauração do regime republicano
Na sequência da fundação de Hong Kong e fim das receitas aduaneiras, a
economia de Macau estava moribunda. Carlos José Caldeira, autor
português que viveu em Macau na década de 1850, descreve que “após a
extinção da Alfândega, a única fonte de renda desde a origem deste
estabelecimento, as receitas públicas são derivadas … dos seguintes
monopólios: venda de carne de porco, carne bovina, peixe, sal, ópio
cozido, pesca de ostras, jogo de latão e lotaria chinesa … os dois
últimos itens foram os mais importantes”.
A economia de Macau e as finanças públicas começaram a ter forte
dependência das concessões de jogos de fortuna e azar, desde os meados
do século XIX. As concessões foram o caminho mais curto para obviar a
falta de receitas fiscais. As licenças para o jogo começaram a ser
concessionadas pelo Governo de Macau em 1847, como uma tábua de salvação
para as suas paupérrimas finanças. Com Hong Kong a crescer a olhos
vistos, começaram as primeiras correntes migratórias de macaenses para o
território vizinho.
A economia de Macau foi paulatinamente sobrevivendo, graças aos
lucrativos negócios relacionados com a manufactura e comércio do ópio,
jogos de fortuna ou azar e a emigração chinesa. A actividade industrial
começou a surgir em finais do século XIX, com empresários locais a
investirem em fábricas de chá, que na década de 1880 empregavam cerca de
600 trabalhadores. Outras manufacturas que fizeram crescer o tecido
industrial foram a produção de incenso, fogos de artifício e peixe
salgado. A primeira indústria pesada a estabelecer-se em Macau foi a
bem-sucedida Companhia de Cimento da Ilha Verde, fundada em 1886.
O século XX foi inaugurado com mudanças de regime político, em Portugal
e na China, quando os republicanos assumiram o poder, respectivamente,
em 1910 e em 1911. Sun Yat-sen viveu em Macau e privou com amigos
portugueses, entre os quais Francisco H. Fernandes. A mudança de regime
criou um novo quadro político, mas sem alterações significativas no
relacionamento entre Portugal e a China quanto à questão de Macau.
A República
Popular da China e o fim da administração portuguesa
Durante a II Guerra Mundial, Macau, seguindo a política de neutralidade
portuguesa, foi o único território não ocupado pelos japoneses em toda a
China. Durante esses anos, uma população de 600 mil pessoas foi
registada, a mais alta de todos os tempos até ao passado recente,
constituída predominantemente por refugiados da guerra. Os chineses de
Macau mostraram o seu amor à pátria ao colaboraram activamente na Guerra
de Resistência anti-japonesa. A cidade sobreviveu devido a negociações e
equilíbrio muito complexos.
Saída das cinzas da ocupação nipónica e da guerra civil, a República
Popular da China (RPC) foi fundada em 1949. Portugal não estabeleceu de
imediato relações diplomáticas com o novo regime, apesar de Macau.
A grande mudança na economia de Macau ocorreu no início dos anos 1960,
quando o monopólio do jogo foi concedido à STDM (Sociedade de Turismo e
Diversões de Macau). Esta nova empresa de entretenimento e jogos de azar
lança uma série de inovações no sector e opera um serviço de barcos
rápidos entre Hong Kong e Macau, reduzindo o tempo de viagem de 3,5
horas para apenas 60 minutos. O sector de turismo cresce
exponencialmente, potenciando capital para investimentos em outros
sectores da economia e novas fontes de receitas fiscais.
Macau passou por uma fase de industrialização rápida, baseada em
mão-de-obra barata, respondendo às oportunidades abertas pelas
ex-colónias portuguesas, no final dos anos de 1950 e início dos anos de
1960, e depois na Comunidade Económica Europeia e nos Estados Unidos.
O regime de direita de Portugal instalado em 1928 foi derrubado em 1974.
Com o advento de um governo democrático, a Constituição Portuguesa de
1976 confirmou o novo estatuto de Macau como território sob
administração portuguesa. Um novo Estatuto Orgânico de Macau consagrando
vasta autonomia entra em vigor em 1976. Portugal e a RPC estabelecem
relações diplomáticas em 1979.
Entretanto, sob a liderança de Deng Xiaoping, a China abre a sua
economia e começa a empreender reformas importantes, incluindo a criação
de Zonas Económicas Especiais de Zhuhai, junto a Macau, e de Shenzhen,
junto a Hong Kong. Este processo, criou oportunidades sem precedentes
para Hong Kong e Macau e deu início à integração de facto e pela via do
mercado, das economias do Delta do Rio das Pérolas.
As negociações para o retorno de Macau à pátria têm início em 1986 e a
Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre o futuro de Macau assinada no
Grande Palácio do Povo, no dia 13 de Abril de 1987, calendarizou a
transferência de poderes para 19 de Dezembro de 1999. É aberto o período
de transição de 12 anos. Durante este período Macau teve um forte surto
de desenvolvimento e construção de infra-estruturas.
Futuro na
cooperação
Com o retorno de Macau à República Popular da China, sob a forma de
região administrativa especial, guiada pelos princípios de “um país,
dois sistemas”, “Macau governada pelas suas próprias gentes” e “com
elevado grau de autonomia”, foram estabelecidos um novo regime e um
clima político de grande expectativa e esperança no futuro.
Com as vantagens propiciadas “um país, dois sistemas” e o forte apoio do
Governo Central ao desenvolvimento económico de Macau, o Produto Interno
Bruto (PIB) per capita de Macau aumentou cinco vezes nos últimos 20
anos, passando de um nível de 15.186 dólares, em 1999, para 82.609
dólares norte-americanos, em 2018.
Macau celebra este ano o 20.º aniversário do retorno à mãe pátria. É um
momento de júbilo, mas também de reflexão, perante os novos desafios que
se apresentam. A RAEM está inserida na Área da Grande Baía (AGB), o
projecto de desenvolvimento nacional inspirado pelo Presidente Xi
Jinping, capaz de realizar o princípio de “um país, dois sistemas” de
forma exacta e completa. Esta iniciativa levará à construção de um
“cluster” urbano de nível mundial, com elevada qualidade de vida para os
seus habitantes e dotada de grande mobilidade, servida por
infra-estruturas de transportes dos mais modernos e eficientes.
A grande competitividade internacional que se pretende alcançar, dentro
de alguns anos, é baseada na inovação e alta tecnologia. São 11 as
cidades da AGB, nove das quais da província de Guangdong, entre as quais
Cantão e Shenzhen, que com as regiões administrativas especiais de Hong
Kong e Macau, são as quatro unidades centrais deste grande plano de
desenvolvimento e abertura na região do Delta do Rio das Pérolas. O seu
PIB combinado excede os 1,5 triliões de dólares norte-americanos,
representando 12 por cento do Produto Nacional da China.
O posicionamento de Macau na área da Grande Baía é o de centro mundial
de turismo e lazer, plataforma de serviços para a cooperação comercial
entre a China e os países de língua portuguesa e base de intercâmbio e
cooperação sob o lema promover a coexistência das diversas culturas, com
predominância da cultura chinesa. Este posicionamento está perfeitamente
adequado à identidade cultural e económica de Macau e será um motor de
desenvolvimento para a RAEM, se todos os ingredientes necessários forem
reunidos. Será de maior importância dar atenção à participação de jovens
e a atracção de especialistas capazes de contribuir para a realização
dos objectivos que estão a ser traçados nas áreas da inovação e
tecnologia, educação e ciência, finanças e comércio. É este o caminho
que Macau deve prosseguir para reforçar o seu contributo e cumprir o seu
destino de pérola cultural da Grande Baía.
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